segunda-feira, 21 de março de 2011

Diversidade Humana

  
Para melhor caracterizar as tentativas internacionais de superação das desigualdades a que temos assistido, podemos dizer que vivemos um momento de transição paradigmática, em que se pretende, como em épocas anteriores, o asseguramento de melhores condições de vida para as pessoas com deficiência e outros diferentes.
Estamos, agora, em pleno desenvolvimento e tentativas de aplicação de princípios do Paradigma da Inclusão, como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação, entre outros. (ONU, 1996).
Superados os conceitos anteriores, baseados, sobretudo, em noções que buscavam adaptar as pessoas com deficiência às condições especiais que lhes eram oferecidas, vivemos a efervescência das idéias inclusivas, as quais propõem “(...) a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade de todas as pessoas, portanto também do próprio portador de necessidades especiais”.(Sassaki, 1997:42).
Parece termos chegado à conclusão de que os velhos paradigmas já não nos servem mais, como as roupas coloridas na canção do Belchior.
Não há como negar a importância das velhas orientações que tanto influenciaram as práticas profissionais nessa área, e que até os dias atuais impulsionam o desenvolvimento de métodos, recursos e tecnologias que visam, sobretudo, ao oferecimento de uma vida mais digna às pessoas com deficiência.
Voltando ao passado remoto, longa e árdua foi a passagem de uma postura social que legitimava as práticas de exorcização de fantasmas e espíritos malignos (que possuíam os corpos de nossos “expiatórios”), para uma situação em que as diferenças ou anormalidades observadas eram entendidas como intrínsecas àqueles organismos defeituosos. A culpa, antes atribuída ao sobrenatural, recaía, agora, sobre os ombros das próprias pessoas com deficiência. Essa mudança de entendimento, que significou um grande avanço do ponto de vista social, substitui os rituais espirituais pelas intervenções terapêuticas.
Uma vez descoberta a chave do segredo - a doença, como explicação e mote para outras intervenções - prescindíamos dos velhos rituais, dos constantes apelos ao sobrenatural. A racionalidade nos salvaria de todas as nossas inquietações, inclusive de nossas culpas. Mantém-se, no entanto, a tentativa de retirar ou acrescentar algo num organismo defeituoso. O mesmo princípio.
Dessa forma, pintamos nossa Modernidade com as cores da cientificidade, da relação causa/efeito, o que nos possibilitou a criação de um incontável rol de patologias, anomalias, discrepâncias e anormalidades suficientes para nos assegurarmos cada vez mais como seres normais, desejáveis e essenciais.
Teorias que ratificam essa nossa impressão libertadora não nos faltam. Além do mais, não é preciso grande esforço intelectual para compreendermos o que é ou não normal, já que somos seres essencialmente culturais. As velhas discussões sobre o que se constitui como normal, mais parecem tentativas psicológicas de negarmos o caráter onipotente do pertencer a tal condição.
Por falar em condição, não podemos nos esquecer que este termo (ou conceito) surge à medida que as Ciências Humanas adquirem maior consideração social, já na Idade Contemporânea. No caso das pessoas com deficiência, as mesmas deixam de ser consideradas como doentes, para serem consideradas como indivíduos pertencentes a determinada condição - a condição de excepcionalidade. Aparentemente, parece que essa contribuição de áreas como a psicologia, sociologia e pedagogia troca seis por meia dúzia. No entanto, é um momento histórico marcante, porque impulsiona a formação de uma consciência social em relação a essas pessoas.
Dessa nova consciência social, decorrem teorias e práticas que promoverão uma guinada substancial no reconhecimento dos direitos desses indivíduos, principalmente no direito à educação e à condições de vida mais condizentes às suas peculiaridades.
Não deixa de ser uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que reivindica o entendimento e respeito às individualidades, contribui para o fortalecimento de ideais segregativos.
Um grande desafio que se nos apresenta parece ser a superação dessa dicotomia a favor da realização de um trabalho que tanto nos satisfaça enquanto profissionais, quanto, sobretudo, atenda às demandas daquele segmento - sem culpas.
Os avanços tecnológicos, graças ao nosso espírito curioso e empreendedor, também nos permitiram a sedimentação de uma relação profissional/cliente com resultados mais tangíveis. Os óculos, de fato, são capazes de atenuar os efeitos de perdas de acuidade visual, assim como ocorre com os aparelhos auditivos, a cadeira de rodas, a perna mecânica...
Nas áreas psicológica e educacional também houve o desenvolvimento de tecnologias capazes de conferir caráter científico a determinadas asserções e práticas. Para tanto, existem a psicometria, o psicodiagnóstico com base em instrumentos padronizados, as baterias de testes de aptidão escolar, e assim por diante.
Conforme sofisticávamos nossos instrumentos, legitimávamos os lugares especiais, para pessoas especiais; os métodos diferenciados, para alunos idem; as leis de proteção, para cidadãos desprotegidos. Tudo parecia correr muito bem, às mil maravilhas, até que...
Até que as orientações que costumamos enquadrar como típicas do Paradigma da Reabilitação sofrem um grande e estrondoso baque - a insurreição das pessoas com deficiência.
Estamos na década dos 60, e com o recrudescimento dos movimentos civis norte-americanos, as pessoas com deficiência, principalmente física, passam a se definir a partir de outros parâmetros, assim como passam a exigir da sociedade como um todo um tratamento e consideração sociais mais dignificantes.
Um dos alvos principais desse movimento é a área médica e terapêutica, acusada de dominadora, que deve ceder espaço para uma relação bilateral, no que respeita às decisões sobre os procedimentos dos quais as pessoas deficiência, até então, eram simplesmente objetos. É o surgimento propriamente dito do que convencionamos chamar de Paradigma da Vida Independente.
No entender de seus principais mentores, era chegada a hora da desobediência a todos aqueles preceitos que definiam papéis, poderes e limites na relação terapeuta/paciente. A redefinição desses três aspectos era de fundamental importância à premência de se transferir o controle das situações envolvidas às mãos das próprias pessoas com deficiência.
A tomada do poder certamente significaria a aquisição de um status mais condizente a um ideal de cidadão potencialmente capaz de satisfazer às expectativas tanto sociais, quanto pessoais, sem o estigma da dependência, geradora da comiseração alheia.
Tal movimento não pode ser interpretado como abominação do conhecimento acumulado na área, nem como rejeição pura e simples a profissionais tradicionalmente envolvidos nos processos de reabilitação.
A intenção primordial era a conquista do direito de participar ativamente das decisões sobre sua própria vida.
A partir das alterações pretendidas, o paciente de um serviço passaria à condição de consumidor, o qual, como é comum a qualquer um outro, faria suas opções de acordo com as suas conveniências e valores próprios. Nesse sentido, a deficiência, até então encarada como o principal problema a ser resolvido, tem sua valoração relativizada em favor de um entendimento de que o maior problema estava “fora do organismo do indivíduo”, ou seja, mais precisamente em sua relação com o entorno.
Assim, as reações do meio, as barreiras arquitetônicas e atitudinais, a falta de uma legislação atualizada e a ausência de oportunidades se constituíam em problemas muito mais significativos do que a deficiência em si.
Todo avanço científico alcançado deveria ser utilizado como recurso que favorecesse o mais alto nível de desenvolvimento pessoal e social possível, ao invés de funcionar como mero instrumento de dominação de uns sobre outros, como vinha ocorrendo a partir dos pressupostos que norteavam as práticas identificadas com o Paradigma da Reabilitação.
Os prestadores de serviços (a área especializada, de um modo geral) não assistiram a todo esse movimento passivamente, como quem simplesmente recolhia-se a seu devido lugar nessa relação marcada por troca de acusações. Simultaneamente ao movimento do segmento das pessoas com deficiência, tanto educadores quanto outros profissionais diretamente envolvidos com a questão, passaram a defender a bandeira da normalização, cujo princípio básico era o oferecimento de oportunidades que aproximassem as pessoas com deficiência das “normais”, física e socialmente falando, e de acordo com as peculiaridades de sua cultura. A normalização tinha como pressuposto básico a idéia de que toda pessoa com deficiência, especialmente aquela com deficiência mental, tem o direito de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal à sua própria cultura. Significava criar, para pessoas atendidas em instituições ou segregadas de algum outro modo, ambientes o mais parecidos possível com aqueles vivenciados pela população em geral. Em outras palavras, trata-se de criar um mundo (moradia, escola, trabalho, lazer etc.) separado, embora muito parecido com aquele em que vive qualquer outra pessoa. 

Diversidade Humana uma questão para ser pensada e resolvida.

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